As cervejas trapistas e de abadia estão para o imaginário cervejeiro como os doces conventuais estão para a pastelaria tradicional. Desde logo, porque ambas nasceram nos mosteiros e conventos da Idade Média, fruto de anos, décadas e séculos de experimentação e partilha de conhecimento entre gerações. Existe algo de enigmático, antigo, quase secretista nestas cervejas simples mas que utilizam produtos de grande qualidade. De certo modo, elas comprovam o complexo e misterioso paradoxo de Schrödinger, estando simultaneamente vivas e mortas, que é como quem diz, dentro e fora das modas cervejeiras. Por outras palavras: são cervejas intemporais,
Para tornar as cervejas trapistas ainda mais complexas, existem dentro destas subestilos com diferentes particularidades: Dubbel, Tripel, ou Quad (de Quadruple). Se estas classificações podem ser utilizadas, na verdade, em qualquer estilo cervejeiro, é nas cervejas trapistas belgas que ganham a sua verdadeira dimensão.
Uma, duas, três… quatro trapistas?
As cervejas trapistas refletem a cultura gastronómica belga. São cervejas que utilizam especiarias locais, incluindo açúcar ou açúcar caramelizado, e que têm uma segunda fermentação em garrafa. Com um elevado teor alcoólico, alta carbonatação e um caráter por vezes peculiar de levedura, a cerveja trapista é produzida por monges e freiras, contribuindo ainda hoje para o turismo monástico.
A RAINHA DAS ABADIAS PORTUGUESAS
A Super Bock Abadia é uma cerveja inspirada nas cervejas de abadia belgas, cuja receita milenar inspirou muitos dos estilos que hoje tens à tua disposição. Forte e encorpada, de sabor excecional, notas suaves a frutos secos tostados, a Super Bock Abadia distingue-se pela sua cor ruiva e aromas ricos. O teor alcoólico é de 6,4% e o amargor moderado a baixo.
Belgian Dubbel
Criada pelos monges do mosteiro de Westmalle, nos subúrbios de Antuérpia, norte da Bélgica, no final do século XIX, a Dubbel é uma versão mais forte da tradicional trapista de Westmalle. Daí que o nome sugira uma versão dobrada, ou duplicada.
A Belgian Dubbel é uma cerveja complexa, rica em malte, na qual se nota a presença de especiarias e uma intensidade alcoólica que pode ir dos 6 aos 7,6%% de ABV. Originalmente, os monges utilizavam açúcar de beterraba caramelizado, mas a evolução da bebida substituiu-o por uma espécie de açúcar doce que lhe adiciona notas de chocolate, aroma frutados e um final de caramelo. Não deves esperar, por isso, aromas ou sabores de lúpulo.
No copo, a Dubbel é brilhante e a cor varia entre o âmbar escuro e o cobre. Na boca, as características assemelham-se às do aroma. O sabor a malte varia de médio a médio alto e, embora seja adocicado, o final é seco.
Belgian Tripel
Trata-se de outra versão da cerveja trapista popularizada pelo mosteiro de Westmalle. Desta vez, e ao contrário do que poderias pensar, a cerveja não triplica a complexidade ou teor alcoólico da trapista tradicional. Se a Dubbel é uma cerveja escura, a Tripel é a categoria dourada da mesma cerveja, na medida em que não utiliza açúcar caramelizado e é produzida com malte Pilsner.
Então porquê o nome Tripel? Simples. Esta cerveja é produzida com o triplo da quantidade de malte que a tradicional, ainda que esta medida não seja comum a todas.
No nariz, o aroma é complexo, com caráter condimentado, onde, por vezes, podes encontrar um leve caráter de lúpulo floral. No copo, a Tripel possui uma cor amarelada que pode variar até dourado profundo, com uma boa transparência. Na boca, junção de sabores condimentados, frutados e do álcool, com uma ligeira nota de mel. É uma bebida com uma elevada drinkability, que é como quem diz, agradável de se beber, mas com um ABV entre 7,5 e 9,5%. Ou seja, é preciso teres um pouco de cuidado com a quantidade de Belgian Tripel que vais degustar.
Belgian Quad
É a mais alcoólica e pesada de todas as trapistas, sendo considerada uma subcategoria da Belgian Strong Dark Ale, ainda que a Quad seja mais frutada e alcoólica. É uma cerveja rica em malte, com um amargor médio e um teor alcoólico que chega aos dois dígitos, podendo variar entre os 10 e os 13%.
Na Quad, ou Quadruple, podemos encontrar notas de frutas escuras, pão, melaço, especiarias apimentadas e um final seco a meio doce, equilibrados por um alto teor alcoólico.
No copo, a Quad possui uma cor vermelha profunda, que pode variar até castanho escuro. O açúcar caramelizado e o malte Munique são fundamentais para tornar a Quad uma cerveja complexa, ainda que não existam aromas ou sabores fumados no seu perfil.
Uma das cervejas mais raras do mundo é uma Quad. Trata-se da Westvleteren 12, produzida pelos monges da abadia de St. Sixtus, em Vleteren, Bélgica. Esta Quad é produzida uma vez por semana e vendida uma vez por mês - à porta do mosteiro ou numa taberna em frente. Contribui para a raridade da cerveja, além da reduzida periodicidade com que é produzida, o modo como pode ser adquirida. É tudo à moda antiga: é necessário telefonar para um número especial e marcar uma hora para a compra. Mesmo o mais entusiasta apreciador da cultura cervejeira que viva fora da Bélgica, ou noutro continente que não o europeu, pensará duas vezes antes de gastar uma pequena fortuna para beber esta Belgian Quad.




