Se a cerveja é uma das bebidas mais consumidas do mundo, podendo tu apreciá-la através dos seus inúmeros estilos e sabores, muita da tua gratidão por isto é devida aos mosteiros europeus e aos monges e monjas que neles viveram.
As cervejas foram produzidas e aperfeiçoadas nestes locais ao longo do último milénio, aproveitando a sabedoria dos monásticos e o modo como estes transmitiram este conhecimento de geração em geração, através de documentos escritos.
Uma das personagens mais importantes na partilha desta informação, mas também na introdução de novos ingredientes, foi Hildegarda de Bingen, uma monja do século XII (1098-1179) que fundou dois mosteiros perto da atual cidade de Frankfurt, na Alemanha, e que terá sido a primeira pessoa a descrever, de forma científica para a época, a importância do lúpulo para a produção de cerveja.
A vida de Hildegarda de Bingen foi extraordinária. Além de ter ficado nos livros da História como música e escritora prolífica, foi conselheira e médica de Frederico I, líder do Império Românico-Germânico, e conhecedora do mundo natural e da influência de várias ervas na saúde humana. Num dos vários livros que escreveu, ao qual chamou Physica, Hildegarda descreve as qualidades do lúpulo, enquanto conservante, quando este é adicionado a uma bebida como a cerveja.
Hildegarda de Bingen não foi a primeira pessoa a falar do lúpulo na produção da cerveja. Tal honra deve-se a Adelardo, do mosteiro beneditino Corbie, atual França, que em 822 escreveu que os abades deveriam fornecer um décimo do malte e do lúpulo colhido ao monge incumbido de fabricar a cerveja. Porém, Adelardo não demonstrou de que forma o lúpulo era utilizado na confecção da bebida.
No mesmo livro, Hildegarda afirma que o lúpulo aumentava a melancolia de quem bebe a cerveja, uma observação pertinente à luz do que hoje sabemos: o lúpulo pode ter um ação calmante no nosso organismo, promovendo o sono.
“Sobre o lúpulo: é quente e seco e tem uma humidade moderada. Não é muito útil para o homem, porque faz crescer a melancolia (...). Mas como resultado da sua própria amargura, evita a putrefação das bebidas, às quais pode ser adicionado, para que eles durem mais tempo”, afirma no capítulo “De Hoppho”, de acordo com o escritor Martyn Cornell.

A padroeira do lúpulo
A monja também escreveu sobre as propriedades de cereais como a cevada, que considerava benéfica para o estômago e intestinos. Muitos dos seus livros, aliás, mantêm-se atuais nos nossos dias.
Inspiradas pela História e pioneirismo de Hildegarda de Bingen, diversas cervejeiras homenageiam a monja alemã com edições com o seu nome.
Conhecida informalmente como a “padroeira do lúpulo”, Hildegarda tem outros títulos. Foi beatificada em 1326 pelo papa João XXII e canonizada em Maio de 2012 pelo Papa Bento XVI. Nesta data, foi ainda nomeada “Doutora da Igreja”, sendo apenas a quarta mulher a receber tal distinção.
A extensa sabedoria terá ajudado à sua própria longevidade: numa época em que a esperança média de vida não superava os 30 ou 40 anos, Hildegarda conseguiu viver até aos 81 anos. Terá sido a genética, mera coincidência ou outro tipo de influência, talvez associada ao mundo natural, a ditar tal proeza?
A verdade é que o lúpulo, uma planta trepadeira que pode chegar aos 15 metros de altura, concentra uma complexidade e variedade que influencia todos os estilos de cerveja que bebes, nos seus aromas e sabores. E, como rei do amargor que é, continua hoje a surpreender os mestres cervejeiros e a proporcionar novas receitas à indústria e consumidores.




